Muralhas geralmente limitam, aprisionam ou impedem a passagem. Mas quando elas são montanhas, a natureza se encarrega de harmonizá-las. Esculpidas nas rochas, passagens conectam vales e florestas se tocam. A solidez mineral protege o meio natural. O que de longe parece intransponível, de perto permeia a vida. E as grandes paredes não bloqueiam, mas ecoam: os sons!
Entre a parte central e o norte da Serra do Brigadeiro, voltadas para a face leste, estão as maiores e mais belas muralhas do Parque! Também desta região vem antigos registros de grandes grupos de muriquis. Se existe a possibilidade de registrarmos esta singular espécie, é para lá que seguiremos! Preparamos com excitação esta expedição. Um desafio de logística, já que iríamos adentrar uma região pouco conhecida e pesquisada, onde grandes blocos de florestas se entremeavam às montanhas. Mais do que pesquisadores: precisaríamos nos testar como montanhistas.
Quando os bons desafios se impõem, a firmeza da busca se agiganta. E o que está ao redor conspira a favor! Desde o abrigo seguro aos pés das muralhas, os contatos e acessos previamente mapeados com empenho pelo Anderson, a receptividade familiar do Fabiano que nos acolheu, nossos equipamentos em pleno funcionamento e como novidade o incremento de um sistema para playback. Tudo fluiu e nos permitiu iniciar as pesquisas na região com muita confiança! Nos próximos dias estaríamos plenamente envolvidos em um dos últimos refúgios dos muriquis.
Já na primeira tarde, após iniciarmos um simples reconhecimento de área sem muitas pretensões, uma surpresa! Enquanto o drone nos revelava conexões florestais e vales ocultos, uma árvore chacoalhou diferente. Opa! Espere! Foco ali, foco ali. Mais um balançado, seguido de um belo salto! Muriqui!!! Quase não havia mais luz naquele fim de tarde. Mas o registro foi concreto: uma fêmea de muriqui carregando seu filhote, deslocando-se em um vale que pudemos demarcar. O dia seguinte seria muito promissor! “Neblina baixa sol que racha”! Partimos em duplas ainda sob o nevoeiro do alvorecer, pois sabíamos que o sol seria intenso e os muriquis se deslocariam cedo. Como costume, seguimos rumo aos mirantes das montanhas – de onde a vista se prolonga e os sons se propagam. Não subestimamos as montanhas, mas ainda assim as subidas cobraram nosso suor. Bota subida nisso! E cada paisagem de encher os olhos!
Mirantes alcançados e sons disparados. Em resposta, um profundo e meditativo silêncio. A esperança de registrar os muriquis era tamanha que permanecemos embrenhados na montanha até a tarde anunciar seu fim. Já aceitando que a noite cairia sobre nós ainda na trilha de volta, iniciamos retorno. Mas enquanto há luz, macacos se movimentam. E nossa persistência foi recompensada! Vinte e três muriquis simplesmente dobraram uma encosta e atravessaram as árvores sobre a trilha bem em cima de nossas cabeças! Nos dias seguintes pudemos acompanha-los de longe e depois confirmar que o grupo inteiro era ainda bem maior, com mais de 40 indivíduos entre adultos, jovens e filhotes! Esforço compensado em dobro. Ao mesmo tempo, outra dupla da equipe ecoava chamados de muriquis entre os vales de grandes paredes. Chamados atendidos! Parte de um grupo, principalmente de fêmeas com seus filhotes vieram até os pesquisadores! Durante momentos de interação respeitosa as fotografias e registros confirmaram: tratavam-se de muriquis já registrados no norte do parque, componentes do chamado grupão, registrado 15 anos atrás durante um primeiro projeto de pesquisas. Confirmamos agora esta extensão de seu território, um dado fundamental para compor as estratégias a favor de sua conservação. Fechamos a expedição instalando minuciosamente duas câmeras com a intensão de colher mais dados sobre os grandes grupos de muriquis. E nos despedimos das muralhas com a vontade de retornar em breve, para continuar pesquisando os muriquis e também para rever os bons amigos que fizemos na comunidade durante esta incrível expedição!
Escrito por: Leandro Santana Moreira
Ficha técnica
Projeto: Montanhas dos Muriquis
Espécie foco: Muriqui-do-Norte (Brachyteles hypoxanthus)
Metas: Contagem de grupos, identificação de indivíduos, abertura de trilhas e acessos a mirantes, instalação de câmeras-trap em dossel, sobrevoos com drone, contato com vizinhos humanos
Equipe: Leandro Moreira; Viviane Moura, Thiago Gomide, Anderson Filó
Acolhimento: Família do Fabiano
Data: 15 a 20 de outubro de 2019
Local: Brigadeiro e Ararica
Clima: Seco e quente
Vales percorridos: 2
Muriquis registrados: 2 grupos; mais de 50 muriquis
Mirantes acessados: 4
Câmeras-trap instaladas: 2
Realização: Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB)
Gestão: Plataforma Semente / MPMG
Financiamento: O projeto Montanhas dos Muriquis foi viabilizado pelo Ministério Público de Minas Gerais, através da Plataforma Semente, por meio de um processo de compensação ambiental.